• Entenda a dor e sua relação com alterações teciduais

    Entenda a dor e sua relação com alterações teciduais

    Por Márcio Soares, fisioterapeuta do IME
     
    Revisões sistemáticas recentes sugerem que pacientes com dor lombar tem uma maior prevalência de "anormalidades" (alterações degenerativas) em seus exames de ressonância magnética.¹
     
    Os mesmos autores, também sugerem que essas mesmas alterações degenerativas são naturais e fazem parte do processo de envelhecimento, seriam como "rugas internas" e podem ocorrer sem absolutamente nada de dor. ²
     
    Estamos confrontando com aparentemente dois temas conflitantes. Um sugerindo que você pode apresentar alterações degenerativas e não ter dor e o outro sugerindo que aqueles que têm dor têm mais alterações degenerativas ou estruturais.
     
    Então, como podemos conciliar estas informações?
     
    Talvez devamos ver essas mudanças estruturais como gravetos antes de virarem brasas. Graveto não é brasa é um precursor, e antes que ele possa se tornar brasa você precisa de algo que acenda o fogo. Podemos ver mudanças degenerativas da mesma maneira. Elas não são suficientes para a dor, mas talvez você precisa de algum tipo de agente sensibilizador para criar esse "fogo" da dor.
     
    Algumas vezes, acendemos o fogo por exagerar em carga físicas das quais não estamos preparados para suportar. Algumas vezes acendemos o fogo por excesso de estresse, problemas de ordem psicológica ou até mesmo sociais. A dor é multidimensional e fatores sensibilizantes podem desencadear dor por vários fatores (físicos, psíquicos e sociais).
     
    E como apagar o esse “fogo” e sair do quadro de dor?
     
    O mais importante é que não temos que mudar a estrutura (degeneração) para aliviar a dor, o que é bom porque raramente conseguimos isso. Então o que podemos fazer?
     
    Temos que atuar buscando mudar o agente sensibilizador, o que pode ser feito de diversas maneiras. Devemos construir uma maior tolerância ao agente sensibilizador ou a mudança estrutural (degenerativa).
     
    Podemos fazer a analogia do copo para explicar a dor. A dor ocorre quando todos os agentes de sensibilização enchem o copo e este transborda, ou seja, a dor é o transbordamento. Esses agentes de sensibilização podem ser fatores ligados a crenças, experiências dolorosas passadas, problemas relacionados ao sono, maus hábitos, ansiedade, medo, estresse, saúde tecidual, entre outros. Podemos diminuir os agentes sensibilizadores ou podemos construir um copo maior.
     
    Isto é o que acontece nas tendinopatias: não é possível mudar a degeneração (tendinose) drasticamente, entretanto podemos fortalecer o tendão saudável ao redor da tendinose e progressivamente diminuir a sensibilidade aos exercícios e aos movimentos. A aplicação lenta de carga a uma pessoa com tendinopatia é, provavelmente, como aumentar o copo (o tendão se adapta, a pessoa pode desenvolver progressão nos exercícios, aumentar a auto eficácia, diminuir o medo, construir resiliência ou mesmo diminuir a dor).
     
    Porque estamos usando essas explicações?
     
    Porque sabemos que podemos conviver tranquilamente com alterações degenerativas, lesões musculares, ligamentares, tendinosas sem ter qualquer sinal de dor. Usar essas analogias/metáforas nos ajuda a validar as crenças dos pacientes em relação a dor. Ajuda a trabalhar com o medo e o espanto ao se deparar com resultados de exames de imagem recheados de alterações teciduais, em que muitos acreditam ter relação direta com suas dores 100% das vezes.
     
    ¹https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26359154; https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28169955
    ²(https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25430861)
    Referência: http://www.greglehman.ca/blog/2017/3/6/tissue-changes-and-pain-explaining-their-relevance